A
SUPOSTA INFERIORIDADE
Joaquim
Branco
Envolve a criança nas
dobras do teu manto, sonho sublime.
CAMUS, Albert. O
avesso e o direito.
Trad. Valerie Rumjanek. Rio de
Janeiro.
Eu vivia na
adversidade, mas, também,
numa espécie de gozo.
Sentia em mim forças
infinitas: bastava, apenas,
encontrar seu ponto de aplicação.
Não era a miséria
que colocava barreiras a essas
forças: na África,
o mar e o sol nada custam.
A barreira está mais
nos preconceitos ou na burrice.
Há certos
artigos, poemas e trechos de livros
que gostaríamos que todo
mundo lesse, e nessa vontade às
vezes os levamos aos amigos mais
interessados.
Um desses textos
que sempre me vêm à
mente intitula-se “Sobre
o óbvio”, e foi escrito
por Darcy Ribeiro na revista Civilização
Brasileira no final dos
70. Nele, Darcy dá uma
aula de inteligência e massacra
a velha tirania dominante que
coloca a nós, sul-americanos,
mestiços e descendentes
de portugueses, como supostamente
inferiores aos nobres habitantes
do hemisfério norte. Nosso
antropólogo comenta e desmoraliza
a balela de que, se tivéssemos
sido colonizados por ingleses,
alemães ou outra raça
“superior”, estaríamos
hoje em pé de igualdade
com os norte-americanos.
São preconceitos
que até hoje querem nos
impingir, como os da inferioridade
das mulheres, dos negros, judeus
e outros em que as pessoas infelizmente
acreditavam.
O artigo é crítico,
irônico, profundo e argumentativo,
e levanta todos os pontos da questão,
desde aquele início de
colonização até
os poderes de uma classe que,
a partir do descobrimento, domina
a cena brasileira. Da sua leitura,
sai-se de alma lavada.
Um livro que
de certo modo complementa a matéria
é O
avesso e o direito, do
franco-argelino Albert Camus,
que no prefácio abre para
uma constatação
redentora:
Encontram-se muitas injustiças
no mundo, mas existe uma da qual
nunca se fala, que é a
do clima. (p. 20)
Isso nada mais
é que outra fixação
em que tentam nos manter; a de
que as pessoas que vivem em climas
quentes são inferiores,
preguiçosas e não
lutam pela vida.
Nas recordações
infantis de Camus estão
as mais belas descrições
de sua terra – a Argélia
e tantas outras assertivas esclarecedoras:
[...] fui colocado
a meio caminho entre a miséria
e o sol. A miséria impediu-me
de acreditar que tudo vai bem
sob o sol e na história;
o sol ensinou-me que a história
não é tudo”.
De qualquer forma,
o belo calor que reinou sobre
minha infância privou-me
de qualquer ressentimento. Eu
vivia na adversidade, mas, também,
numa espécie de gozo. Sentia
em mim forças infinitas:
bastava, apenas, encontrar seu
ponto de aplicação.
Não era a miséria
que colocava barreiras a essas
forças: na África,
o mar e o sol nada custam. A barreira
está mais nos preconceitos
ou na burrice”. (p. 18/19)
* Poeta, professor
das Faculdades Integradas de Cataguases,
Doutorando em Literatura Comparada
na UERJ.Autor, entre outros livros,
de O
menino que procurava o reino da
poesia (ficção
infanto-juvenil).
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